domingo, 9 de janeiro de 2011

Sofria quando era chamada de negrinha ...

"Só soube o que era ser militante quando conheci a nutricionista Élida Monteiro. Passamos a freqüentar o tititi do movimento negro. Eram reuniões, vernissages, saraus de poesias. Até que conheci o poeta Cuti, autor do livro ...E Disse o Velho Militante José Correia Leite. Rapidamente ficamos amigos. E foi conversando com ele que passei a tocar nas questões da negritude.
Lembrei-me de que, quando era adolescente, ficava angustiada se alguém me chamasse de 'negrinha'. Sabia que era negra e não entendia por que essa palavra me incomodava tanto. Quando li os poemas de Cuti no Cadernos Negros, coletânea de obras em prosa e poesia da qual ele participava, comecei a entender melhor o motivo das minhas aflições.
Sou professora de inglês e português e dou aulas em escolas públicas e privadas. Observando a reação de meus alunos, notei que muitos negros se sentam no fundo da sala e não abrem a boca. Ou, ao contrário, fazem bagunça para se destacar de forma negativa. Percebi que são tratados pelos colegas brancos de 'beiçola' e coisas do gênero. Vendo aquilo, comecei a pensar numa maneira de poder ajudá-los.
Primeiro adotei Cadernos Negros como leitura de suporte. Mas eu não tinha intenção só de denunciar o racismo e o preconceito. Queria que meus alunos passassem a gostar mais de si mesmos.
No ano seguinte, propus interdisciplinalidade com o professor de História, que ia ensinar escravidão, e adotei o livro Jogo Duro, de Lia Zatz, que retrata todo o processo da vinda do escravo ao Brasil. Foi um sucesso total. Os alunos deveriam ler o livro, reescrever a história com suas palavras e, em seguida, confeccionar suas próprias obras.
Para fazer com que se aceitassem mais, trabalhei a mestiçagem mostrando a alunos de pele mais clara que eles também eram descendentes de negros.
No final do ano, a escola parou para assistir a um desfile afro com os alunos dessa classe. Lia Zatz, a escritora, foi homenageada e presenteada com os livros confeccionados pelos alunos. A repercussão desse trabalho foi tão grande que acabei recebendo o prêmio Professor Nota Dez da Fundação Victor Civita, na categoria Melhor Trabalho em Língua Portuguesa, com 10 mil reais e um computador de última geração.
Cada ano procuro trabalhar a auto-estima do aluno com enfoques diferentes. Busco parcerias com escritores, fotógrafos, médicos e nutricionistas e, através de trabalhos práticos, tento fazer com que eles se gostem mais.
Em 1998 propus a alunos de inglês que escrevessem cartas uns aos outros para treinar o idioma. No ano passado, organizei exposições com alunos sobre a beleza de cinco países africanos. Este ano o tema é alimentação. Tento mostrar, através de diversas atividades, que temos muitas frutas e legumes e não precisamos imitar os hábitos alimentares de países como os Estados Unidos."
(Depoimento de Marisa do Nascimento Almeida, publicado na Revista Raça Brasil - 11/2000)

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