DISCRIMINAÇÃO NA ESCOLA


 Crianças do Quilombo Ivaporunduva (SP)



Preconceito e discriminação racial surgem em situações aparentemente banais
                                                                        
                                       Mário Sergio Cortella* (Revista Educação)



Livro de ciências, quinta série, está lá o assunto O Corpo Humano. Você abre o livro e tem um desenho do corpo humano, com um sujeito alto, forte, louro e de olhos azuis, um sueco. No Brasil, uma criança – que não é muito daquele jeito – vê o desenho, olha em redor, olha para si mesma, não se reconhece. O corpo no desenho não faz muito sentido para ela.

Na escola, estudamos um pouco de mitologia grego-romana. A gente sabe quem foi Atenas, Zeus, Apolo. Mas diga o nome de uma divindade nagô? Nós tivemos alguma noção de quem foram os imperadores romanos, ouvimos falar de Nero, Marco Aurélio, mas poucos de nós saberiam dizer um nome de rei banto. Isso é deslize essencial porque também são poucos os que sabem que bantos e nagôs ajudaram a formar parte desta nação.

Quando o Rio de Janeiro transformou o dia 20 de novembro – Zumbi dos Palmares – em um feriado, muita gente riu. Por quê? Nos acostumamos a pensar no dia 12 de outubro, por exemplo, como um dia importante – é quando homenageamos uma das crenças mais fortes da população católica. Mas o dia 20 de novembro também merece um feriado, assim como outras datas.

Muitos pensam "mais um feriado num país que tem tanto feriado". Mas onde já se viu não ser capaz de homenagear uma das forças que montaram essa nação? O preconceito cresce quando ninguém é capaz de discuti-lo. E está disseminado em ações e frases aparentemente banais. Afinal, você nunca comprou um curativo "cor da pele"? Numa sociedade que tem 42% de pessoas brancas, vale perguntar: "Cor da pele de quem?"

Muitos educadores defendem que a escola não discrimina. Mas se o material didático não trata da questão multirracial, a discriminação está lá. Nós não somos todos como eu, descendente de europeus. Para mim, desde criança, os livros faziam sentido. Neles, todos eram como eu. Aliás, quando eu era criança, os negros só apareciam no livro de história e como escravos. Nunca apareciam sob outro aspecto, quando se falava em corpo humano, por exemplo.

O grande teólogo Leonardo Boff diz sempre e repetimos com convicção: "Um ponto de vista é a vista a partir de um ponto." Se a escola não descarrega essa multiplicidade de pontos de vista, ela impregna a nossa amorosidade de incompetência na medida em que discrimina, rejeita ou, o que é pior, "invisibiliza".

A escola só será mais competente se nós formos capazes de valorizar a diferença. Mas, atenção, é sempre bom insistir: valorizar a diferença não significa exaltar a desigualdade. Diferença é um conceito cultural e igualdade é um conceito ético. Homens e mulheres, brancos e negros, brasileiros e estrangeiros: somos todos diferentes, jamais desiguais.

* Mario Sergio Cortella é um filósofo brasileiro, mestre e doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde também é professor-titular do Departamento de Teologia e Ciências da Religião e da pós-graduação em Educação (Currículo), além de professor-convidado da Fundação Dom Cabral e do GVpec da FGV-SP.
Foi secretário municipal de Educação de São Paulo (1991-1992) e é autor, entre outros livros, de A Escola e o Conhecimento, Nos Labirintos da Moral, com Yves de La Taille, Não Espere Pelo Epitáfio: Provocações Filosóficas e Não Nascemos Prontos!.
Fez o programa "Diálogos Impertinentes" na TV PUC, no Canal Universitário.